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# __Será que meu celular escuta minhas conversas sem autorização?__

Quem nunca se perguntou isso quando após ter tido uma conversa privada onde citou um produto ou algum evento, passou a receber anúncios sobre esse exato produto. Seria coincidência ou os fabricantes de celulares e aplicativos estão quebrando diversas leis nacionais e internacionais de proteção a privacidade para uma publicidade extremamente assertiva? Nenhum dos dois!

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Oficialmente, Google e Apple declaram que não utilizam nenhum sistema de captura de áudio ou mensagem para fins publicitários, e isso é bem plausível pois já possuem toda a tecnologia de direcionamento de anúncios assertivos sem a necessidade de interceptação constante da comunicação como algumas teorias da conspiração sugerem, mas isso obviamente não é apenas uma coincidência. As cinco gigantes da WEB, Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft, que juntas formam o acrônimo **GAFAM** e dominam de forma unilateral o mercado de plataformas digitais— _incluindo sistemas operacionais, ferramentas digitais, plataformas de redes sociais e logística de comércio digital_, dispõem de um modelo de negócios que deixaria qualquer distopia de ficção cientifica comendo poeira, o chamado modelo de perfil de usuário é uma técnica aplicada em redes sociais e demais serviços que consiste na categorização de usuários em um ou mais perfis de interesse. Não se engane, essas empresas não possuem desejo nas informações que definem sua identidade, você é apenas mais um digito na soma dos diversos grupos de perfis de usuário — _ou bolhas_ — em um vasto catálogo que será apresentado a um anunciante desejando atingir um público-alvo: gamers, evangélicos, diabéticos, comunidade LGBTQIA+, entusiastas de armas de fogo, extremistas políticos; não importa a comunidade, o que importa é que cada **bolha** representa uma oportunidade de vendas para um anunciante.

Daí vem a assertividade de anúncios que parecem terem lido seu pensamento; _Mas então, se os dados capturados não representam exatamente minha identidade e são utilizados para fins de marketing, qual exatamente o problema?_ O problema está na capacidade de modulação de hábitos de consumo, comportamento e opinião pública que essas plataformas digitais detêm e fornecem à terceiros. De acordo com Sérgio Amadeu da Silveira em seu trabalho colaborativo, **A Sociedade de Controle, manipulação e modulação nas redes digitais**:

> _Um dos principais modos de controle que os gestores das plataformas possuem sobre seus usuários se dá pela **modulação das opções e dos caminhos de interação e de acesso aos conteúdos publicados.** A modulação é um processo de controle da visualização de conteúdos, sejam discursos, imagens ou sons. As plataformas não criam discurso, mas possuem sistemas algoritmos que distribuem os discursos criados pelos seus usuários, sejam corporações, sejam pessoas. Assim, ficamos quase sempre em bolhas que prefiro chamar de **amostras**, filtradas e organizadas conforme os compradores, ou melhor, **anunciantes**._

Como detalha Amadeu, é correto dizer que essas plataformas detêm não somente um eficiente "canhão" publicitário mas também um "morteiro" de propaganda política tão eficiente quanto e disponível para quem puder pagar mais, como revela o caso envolvendo a empresa de análise de dados **Cambridge Analytica**, em que diversas informações incluindo nome, idade, endereço, hábitos de mais de cinquenta milhões de usuários norte-americanos foram entregues pela rede social **Facebook**, devido a negligência nos termos de uso em relação a segurança de dados de usuários — _nem precisaram pagar pelos dados_, processados em perfis de eleitores e utilizados para um [bombardeio de propaganda eleitoral direcionada durante a eleição presidencial dos Estados Unidos em 2016](https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43461751). Quado levamos em consideração que o [Brasil é o segundo na lista de países com o maior tempo de tela](https://www.electronicshub.org/the-average-screen-time-and-usage-by-country/), alcançando a média de nove horas diárias, chegamos a conclusão do quão vulnerável estamos a modulação de comportamento e que até mesmo o habito de consumo excessivo de redes sociais é consequência direta do processo de modulação, já que o acumulo de dados — _chamado de **Big Data** pelo mercado digital_ — garante o aperfeiçoamento de algoritmos e experiência de usuário tornando as redes sociais cada vez mais hipnotizantes e necessárias no intermédio da socialização.

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Existem algumas formas de resistência ao roubo de dados e preservação da privacidade como adotar o uso de software que aderem ao paradigma de código aberto — _o fato de estar disponível ao público garante que a aplicação não carregue nenhum trecho de código malicioso, do contrário seria identificado pela comunidade_ — e plugins de bloqueio de anúncios o qual são utilizados para obtenção de dados também, além de diversas outras mudanças na forma como utilizamos a tecnologia, mas que, apesar de importantes para ajudar a garantir o direito a privacidade individual não passam de medidas privadas para um problema público. É essa a conclusão que levou profissionais a se organizarem e criar projetos como **QuebraDev**, **Núcleo de tecnologia do MTST** e **Tecnologia e Classe**, **NetLab**, organizações que buscam promover através de produção audiovisual e eventos presenciais, entre outros temas, o debate acerca da violação da privacidade e o que vem sendo chamado de colonialismo de dados — _se refere ao processo de captura de dados e modulação de comportamento em direção a intensificação das relações econômicas desiguais entre países centrais e periféricos do chamado, mercado global_ — na sociedade brasileira e nos setores mais ligados a tecnologia da informação. Visando levar essas preocupações a esfera do debate público onde se pode discutir politicas e mudanças na abordagem da tecnologia, a princípio apenas na esfera social, mas irradiando para a privada.

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Portanto a resposta para a pergunta inicial é: _não, seu celular não escuta e nem lê suas conversas e mensagens_; O modelo de negócio das empresas que constituem o acrônimo **GAFAM** é tão lapidado que não precisa recorrer a esses métodos, e esse é exatamente o problema. Este ensaio tem apenas intenção de introduzir a questão do colonialismo de dados, desenvolver fatores e consequências dessa nova realidade e apresentar alguns projetos comunitários que buscam evidenciar a questão.