____                 _         ____  _     _
/ ___|  ___ _ __ __ _(_) ___   |  _ \| |__ | | ___   __ _
\___ \ / _ \ '__/ _` | |/ _ \  | |_) | '_ \| |/ _ \ / _` |
___) |  __/ | | (_| | | (_) | |  __/| | | | | (_) | (_| |
|____/ \___|_|  \__, |_|\___/  |_|   |_| |_|_|\___/ \__, |
               |___/                               |___/

RESENHA DO FILME 37 SEGUNDOS - 23-07-2024
CAT: Resenha

RESUMO PARA APRESSADOS

Para aqueles com pressa, o filme 37 segundos é o que podemos chamar de
"Pure Cinema". A direção e roteiro de Mitsuyo Miyazaki nos levam, com sensibili-
dade e beleza, a acompanhar a jornada pessoal de Yuma Takada, uma desenhista ta-
lentosa de mangá, em sua busca pessoal por descobertas e autonomia. Mesmo fugindo
dos clichês, existe um grande risco de você ficar com cisco nos olhos ao longo
do filme! Você foi avisada/o!

RESENHA COM MAIS DE 500 CARACTERES (SEM GRADNES REVELAÇÕES)

Yuma é uma jovem de 23 anos, excelente criadora e desenhista de mangás, que tem
paralisia cerebral, e por conta disso, tem dificuldades motoras e de mobilidade!
Vive com sua mãe e trabalha (desenhando mangás) com sua prima.

Na jornada pessoal de Yuma, eu refleti sobre como o modelo biomédico da deficiência
- que entende a deficiência como uma questão individual, uma "lesão a ser curada",
não dá conta das diversas situações vivenciadas pela personagem, nem, também, o
modelo "oposto" - o modelo social da deficiência - que considera a deficiência
como uma construção social, uma questão coletiva em que a sociedade é que cria
barreiras para aqueles corpos (ou modos de ser e estar no mundo) que não se
aproximam dos corpos "normativos" e produtivos de uma sociedade (capitalista).

Embora tecnologias assistivas, como cadeiras de rodas motorizadas, por exemplo,
e ambientes acessíveis (como rampas em metrôs e aparelhos sanitários com altura
para cadeirantes) possam minimizar as barreiras para que todas e todos possam vi-
ver plenamente, muitas outras opressões atingem as pessoas com alguma deficiência!
Um modelo biopsicossocial da deficiência, talvez, consiga dar contas das diversas
complexidades e barreiras para a vida plena de pessoas com deficiência...

A beleza do filme, no entando, visto do modo como ele me tocou, está na maneira
particular como a personagem principal enfrenta o capacitismo (esta categoria
estrutural e estruturante na sociedade capitalista)!

No lugar de combater o capacitismo com outras opressões (cancelar para sempre
pessoas que tiveram atitudes capacitistas - criar um "nós, os oprimidos, contra
os outros, os opressores" ) ela, com seu jeito carismático, oferece a generosidade
pedagógica de outra(s) chance(s) - a despeito das várias decepções e angústias
que implicam esta opção...

É interessante notar, também, como o roteiro nos apresenta, no filme, as contradições
que encontramos também na vida real. Os espaços em que nossa cultura judaico-cristã
considerariam mais acolhedores - a família, por exemplo, podem ser os mais opressivos!
E os espaços mais "suspeitos" - como a redação de uma revista de mangás de conteúdos
pornográficos ou uma zona de prostitução, e mesmo profissionais do sexo - podem
ser os mais acolhedores e onde a personagem vai encontrar mais esculta, empatia
e cuidados!

É um filme sobre a singularidade de cada experiência! Sobre entender que as
pessoas e as situações são sempre mais complexas do que visões binárias:
bons x maus; opressores x oprimidos, etc. Que muitos de nós precisamos, também,
do nosso tempo individual, de experimentarmos nossas singularidades, mas também
que não podemos perder de vista que, viver em sociedade é comprender a
interdependência de todas e todos.

É um filme que, para mim, explicita vários dos 10 princípios da Justiça Defiça,
como por exemplo, o 5º e o 9º princípio:

"Cada pessoa é cheia de histórias e experiências de vida. Cada pessoa tem uma
experiência interior composta por seus próprios pensamentos, sensações, emoções,
fantasias sexuais, percepções e peculiaridades. Pessoas com deficiência são
pessoas inteiras."

ou

"Podemos compartilhar responsabilidades por nossas necessidades de acesso,
podemos pedir que nossas necessidades sejam satisfeitas sem comprometer nossa
integridade, podemos equilibrar a autonomia enquanto estamos em comunidade,
podemos não ter medo de nossas vulnerabilidades, sabendo que nossos pontos fortes
serão respeitados."

Amei as imagens do filme, o constraste entre Japão e Tailândia, e pude
compreender porque os banheiros públicos japoneses despertaram tanto fetiche no
Win Wenders (a ponto dele fazer o belíssimo: Dias Perfeitos).

Como disse, no início deste texto, 37 segundos é o mais puro
"Magnifique Cinema"!

===============================================================================

Originalmente publicado em:
https://sfl.pro.br/blog/resenha-filme-37-segundos.html